quarta-feira, 13 de novembro de 2013

MAÇONARIA DIONISÍACA: Do Vinho a Pedra



No vinho estão a verdade, a vida e a morte. No vinho estão à aurora e o crepúsculo, a juventude e a transitoriedade. No vinho está o movimento pendular do tempo. No vinho se espelha a vida. 
- Roland Betsch
  
INTRODUÇÃO

Dionísio era a divindade grega equivalente à divindade romana Baco, regia os ciclos vitais, as festas, o vinho, o delírio, mas, sobretudo, do êxtase que funde o iniciado com a deidade. Dioniso possuía vários nomes e inúmeros epítetos, o teônimo Diónysos não apresenta etimologia definida, sendo possivelmente composto por Dio, céu em trácio e Nysa, filho, significando então "filho do céu". Baco, ou Bákkhos, aparece na literatura grega a partir do século 5 a.C. com Heródoto e Sófocles, em Édipo Rei, significando "ser tomado de um delírio sagrado", de onde deriva a palavra Bacante.
Ele foi à única divindade olímpica que possuía um mortal como um dos pais. É filho de Zeus e de Sêmele, princesa tebana filha de Cadmo e Harmonia. Sêmele sua mãe então grávida, instigada por Hera esposa ciumenta de Zeus, rogou ao seu amante divino para se apresentasse a ela em todo seu esplendor. Zeus a preveniu de que seria impossível a qualquer mortal resistir a tal visão, mas como tinha jurado jamais negar-lhe qualquer pedido, mesmo contrariado, surgiu diante da princesa em sua aparência divina. Sêmele não resistiu e faleceu fulminada por raios e trovões. Zeus então lhe retirou o filho do ventre e o costurou à sua coxa de onde, passado o tempo de gestação, nasceu Dionísio. Seu nascimento a partir de Zeus lhe garantiu sua própria divindade. Hera, mais uma vez interviria contra Dionísio ainda adolescente e fez com que fosse acometido por uma insanidade. Louco errava pelo mundo ensinando aos homens o cultivo da uva e a fabricação do vinho. Foi somente após ter sido purificado por Réia, sua avó, que o instruiu a refazer todos os passos que havia feito antes de sua crise, terminando assim por curá-lo, que Dionísio pode retornar a Grécia para instaurar ali seu culto. Outro desdobramento da história narra que Hera arranjou ainda, para que os Titãs o matassem, os Titãs então o fizeram em pedaços, mas ele teve seu corpo reconstituído também por Réia.

Dionísio é mais do que uma divindade sofredora, é uma divindade trágica como nenhuma outra. Seus ritos religiosos garantiam que a morte não é o fim de tudo, pois o fato de morrer e renascer levava seus fiéis seguidores a crer que a alma vive para sempre. Entretanto, não é possível afirmar que a religião dionisíaca pregasse a crença na reencarnação, mas é certo que continha a mensagem de salvação após a morte, com a possibilidade de transcendência, o que era uma revolução em relação às antigas religiões gregas. Desta maneira, Dioniso pode ser visto como um grande iniciado, que passou por uma experiência extrema para ensinar e guiar os homens.
O culto grego e ocidental a Dionísio era permeado de Mistérios, nos quais uma  “embriaguez dionisíaca” era induzida por fatores rituais, como o transe, que leva ao êxtase e ao entusiasmo, seguindo-se a liberação e, por fim, a purificação. A “embriaguez sagrada” permitia participar, ainda que de maneira imperfeita, da natureza divina ainda em vida. Em seu aspecto de divindade do êxtase e entusiasmo[1], dois estados próprios da religião dionisíaca, Dionísio levava os homens a estarem mais próximos dele mesmo.
Por sua vez na Ásia, o culto a Dionísio assumia novos tons, já que havia muito cedo se apartado da  terra de origem, não havia aderido às práticas extáticas que foram lá desenvolvidas. Os aspectos de inspiração e criatividades divinas relacionadas àquela divindade haviam sido associados a práticas mais artísticas que por fim permearam a arquitetura. A união deste antigo culto com a arquitetura e logo com as atividades práticas da construção, acabaram por formar uma corrente de Maçonaria Operativa (ordem de construtores) conhecida como Artífices de Dionísio.
Sobre esse peculiar e antigo grupo de construtores, Albert G. Mackey  discorre graciosamente em seu “Simbolismo da Franco-Maçonaria”, e mais particularmente no que tange os paralelos com a Lenda do Assassínio de Hiram Abiff, qual trecho segue traduzido e adaptado abaixo, conservando as notas originais e somando-as a novas  observações que se fizeram pertinente para a melhor apreciação do tema.


OS ARTÍFICES DE DIONÍSIO

De todos os mistérios pagãos instituídos pelos antigos, nenhum era mais largamente difundido do que os relacionados à divindade grega Dionísio. Eles foram praticados na Grécia, Roma, Síria e toda a Ásia Menor. Entre os gregos, e especialmente entre os romanos, se faz necessário frisar, que os ritos celebrados nos festivais dionisíacos eram de caráter desregrado e libertino[2]. Entretanto na Ásia, eles assumiram uma forma distinta. Lá, como em outros lugares, sua Lenda (pois todo  Mistério possui sua lenda) narrava e suas cerimônias representavam o assassínio de Dionísio pelos Titãs. A doutrina secreta entre os asiáticos, não era tão diferente das nações ocidentais, mas havia algo de característico na organização de seus sistemas. Os Mistérios de Dionísio, mais especificamente na Síria, não possuíam somente um caráter teológico. Lá, seus discípulos uniram à indulgência em suas especulações e ideias secretas quanto à unicidade da Divindade e imortalidade da alma, comuns a todos os mistérios, com a prática duma arte operativa e arquitetônica além de ocuparam-se da construção de templos e edifícios, bem como na busca da verdade divina.
É possível posso explicar a maior pureza desses ritos sírios adotando a teoria de Thirwall[3], quais aqueles Mistérios "eram os vestígios dum culto precedente ao surgimento da mitologia helênica, e seus ritos iniciáticos, baseados numa visão natural realista, séria e melhor equipada para despertar tanto o pensamento filosófico quanto sentimento religioso". Supondo que os asiáticos, devido sua posição geográfica, não foram imbuídos dos erros do helenismo, seriam mais capazes de preservar a pureza e filosofia da antiga fé pelásgica[4], que sem dúvida, era uma emanação direta da religião patriarcal, ou, como tem sido chamada, a Pura Maçonaria do mundo Antediluviano.
Seja como for, sabemos que "Os Dionisíacos da Ásia Menor foram, sem dúvida, uma associação de arquitetos e engenheiros, que tinham o privilégio exclusivo de construir templos, estádios e teatros, sob a tutela misteriosa de Baco. Eram foram diferenciados dos habitantes não iniciados ou profanos pela ciência que possuíam, e por muitos sinais particulares e símbolos pelos quais eles reconheceram um ao outro.". [5]
Esta sociedade[6] especulativa e operativa, era especulativa no esoterismo e nas lições teológicas que eram ministradas em suas iniciações e era operante nos trabalhos de seus membros como arquitetos, foi marcada por muitas peculiaridades que a assemelham intimamente à instituição da Maçonaria atual. Na prática da caridade, os mais abastados eram obrigados a mitigar as necessidades e contribuir para o suporte dos irmãos mais pobres. Eles foram divididos, para as conveniências de trabalho e vantagens de gerência, em corpos menores, que, como as Lojas Maçônicas, foram dirigidos por dignidades e oficiais. Eles empregaram em seus rituais religiosos muitos das execuções da Maçonaria Operativa, e usavam como os maçons, uma linguagem universal e modos convencionais de reconhecimento pelos quais um irmão reconhecia o outro tanto discretamente como abertamente, e serviam para unir todo grupo onde quer que se dispersassem, em uma fraternidade comum[7].
Nos mistérios de Dionísio a lenda narra à morte daquele herói-deus, e a subsequente descoberta de seu corpo. Alguns outros detalhes sobre a natureza do ritual dionisíaco são, portanto, necessários para uma análise melhor detalhada dos pontos requerem atenção mais imediatamente.
Nestes rituais místicos, o neófito era encetado a representar simbolicamente e de forma dramática, os eventos relacionados com a morte da divindade de quem os Mistérios herdaram o nome. Depois de uma série de cerimônias preparatórias, destinadas a evocar toda sua coragem e força, o afanismo[8] ou morte mística de Dionísio era desvelado nas cerimônias, os clamores e lamentos dos iniciados com o confinamento ou enterro do candidato numa paragem, sólio, ou caixão, constitua a primeira parte da cerimônia iniciática. Em seguida, começava a busca de Réia[9] pelos os restos de Dionísio, que estavam depositados em meio a cenários de maior confusão e tumulto, até que, finalmente, a busca fosse bem sucedida. O luto era transformado em alegria, a luz alcançava as trevas, e o candidato era investido com o conhecimento da doutrina secreta dos Mistérios, da crença na existência de uma Divindade e de um estado futuro de recompensas e punições[10].
Tais eram os Mistérios que foram praticados pelos arquitetos, por assim dizer, os maçons da Ásia Menor. Em Tiro, a cidade mais rica e mais importante da região, uma cidade memorável pelo esplendor e magnificência com quais seus edifícios eram decorados, havia colônias ou Lojas destes arquitetos místicos, fato que deve ser observado, uma vez que constitui um elo importante na cadeia entre os dionisíacos com os maçons.
Entretanto para fazer com que cada elo desta cadeia se vincule completamente, é necessário que os artífices místicos de Tiro possam ser atestados ao menos como contemporâneos a construção do Templo do Rei Salomão, e pode ser viável encontrar tais evidências para este fato.
Lawrie, cujas elaboradas pesquisas sobre este assunto não deixa mais nada a desvelar, situa a chegada dos dionisíacos na Ásia Menor contemporânea à migração jônica, quando "os habitantes de Ática, queixando-se da  escassez de seu território e esterilidade do solo, foram em busca de assentamentos mais extensos e férteis. Sendo acompanhados por um número de habitantes de províncias vizinhas, eles navegaram para a Ásia Menor, expulsaram os habitantes originais, apoderaram-se das posições mais desejadas, e se uniram sob o nome de Jônia, porque o maior número de refugiados era nativo daquela província grega.[11]".  Com certo conhecimento das artes da escultura e arquitetura, nas quais os gregos já tinham realizado algum progresso, os emigrantes trouxeram para seus novos assentamentos também seus costumes religiosos, e introduziram na Ásia os mistérios de Atena e Dionísio muito antes de terem sido corrompidos pela licenciosidade da pátria-mãe.
Logo, Playfair situa a migração Jônica no ano 1044 a.C., Gillies em 1055 a.C. e Abbé Barthelemy em 1076 a.C.. Porém, o último desses períodos se estendera até 44 anos antes do início do Templo de Salomão em Jerusalém, fornecendo tempo suficiente para o estabelecimento da Fraternidade Dionisíaca na cidade de Tiro, e a iniciação de "Hiram o Construtor" em seus mistérios.
Então, prossegue-se a cadeia de acontecimentos históricos que finalmente uniria este ramo da Pura Maçonaria derivada das nações pagãs com a Maçonaria Primitiva dos israelitas em Jerusalém.
Quando Salomão, rei de Israel, estava prestes a construir de acordo com os propósitos de seu pai, David, "Uma casa ao nome do Senhor, seu Deus", ele fez a sua intenção conhecida a Hiram, rei de Tiro, amigo e aliado. Salomão estava bem ciente das habilidades arquitetônica dos dionisíacos de Tiro, demandou o auxílio do monarca para capacitá-lo a fim de por seu pio projeto em execução. As Escrituras nos informam que Hiram satisfez o pedido de Salomão, e mandou os trabalhadores necessários para auxiliá-lo no glorioso empreendimento. Dentre outros, ele enviou um arquiteto, que é descrito brevemente, no Primeiro Livro dos Reis, como "Filho de uma viúva, da tribo de Naftali, cujo pai era um homem de Tiro; que trabalhava em bronze, cheio de sabedoria e compreensão e hábil para trabalhar todas as obras em bronze". Mais plenamente, no segundo livro de Crônicas é descrito como "Homem sábio de grande entendimento do meu pai Hiram, o filho de uma mulher das filhas de , e cujo pai, um homem de Tiro”. E ainda “Hábil para trabalhar em ouro, em prata, em bronze, em ferro, em pedras e em madeira, em púrpura, em azul, e em linho fino, e em carmesim, e era cheio de sabedoria, e de entendimento, e de ciência para fazer toda a obra de cobre; este veio ao Rei Salomão, e fez toda a sua obra.”.
A este homem, o Filho de Viúva (como as Escrituras, bem como a Tradição Maçônica nos narra), foi confiado pelo rei Salomão um cargo importante entre os trabalhadores da edificação sagrada que era construída no Monte Moriá. Com seu conhecimento e experiência como artífice, e sua habilidade eminente em qualquer espécie de "entendimento, e de ciência para fazer toda a obra ", prontamente emergiu para os artesãos israelenses e tironianos como o chefe construtor e principal condutor dos trabalhos. A ele por meio da grande autoridade que lhe foi concedida, que se atribuí a união de dois povos até então, antagônicos em objetivos, dispares nas maneiras e de religiões adversas como os israelenses e os tironianos, em uma fraternidade comum, o que resultou na organização da instituição da Maçonaria. Este Hiram como tironiano e artífice, deve ter se filiado à Fraternidade Dionisíaca,  e não deve ter sido um simplório ou desconhecido membro, levando em conta sua posição na sociedade, dado ao talento que se dizia possuir e a elevada posição que ocupou na predileção e corte do rei de Tiro. Ele deve, portanto, ter sido bem familiarizado com todos os usos cerimoniais dos Artífices Dionisíacos e desfrutado de uma longa experiência dos modos de gerência e disciplina que eles praticavam na construção das muitas edificações sagradas em que laboravam. Ao menos parte desses usos cerimoniais e da disciplina ele seria naturalmente inclinado a empregar entre os operários em Jerusalém. Ele, portanto, une-os em uma sociedade similar em muitos aspectos à dos Artífices Dionisíacos. Ele incutia lições de caridade e de amor fraternal e estabeleceu uma cerimônia de iniciação para testar experimentalmente a coragem e o valor do candidato, adotou modos de reconhecimento e imprimiu os encargos de dever e princípios de moralidade por meio de símbolos e alegorias.
Para os obreiros e carregadores os Ish Sabal[12] e para os artesãos, o que corresponderia com o 1º e 2º graus da Maçonaria Moderna, entretanto, pouco conhecimento secreto havia sido confiado. Como os neófitos nos Mistérios Menores do paganismo, suas instruções eram simplesmente para purificá-los e prepará-los para uma prova mais solene, e para o conhecimento das verdades mais sublimes. Estes as encontravam apenas no grau de Mestre, qual se destinava ser uma reprodução dos maiores mistérios, e nele procedia ao desenvolvimento, à instrução e o cumprimento das grandes doutrinas da unicidade da Divindade e a imortalidade da alma. Até este ponto, não deve ter surgido em tempo, nenhum obstáculo aparente ou intransponível para o prosseguimento das analogias da Maçonaria com os Mistérios de Dionísio. Como já dito, nos mistérios pagãos essas lições eram ensinadas alegoricamente por meio de uma Lenda. Logo, nos Mistérios Dionisíacos, a Lenda era à morte e posterior ressurreição do herói-deus Dionísio. Mas teria sido totalmente impossível empregar uma lenda fiel em todas as instruções na difusão aos neófitos israelitas. Qualquer alusão às fábulas mitológicas de seus vizinhos gentios ou qualquer a celebração de mitos da teologia pagã teria sido igualmente ofensivo ao gosto e repugnante às ideias religiosas de daquela nação. Esta nação era instruída de geração a geração na adoração de um ser divino cioso de suas prerrogativas, e que havia se tornado conhecido por seu povo como o Senhor, o Deus do tempo presente, passado e futuro. Como esse obstáculo surgido teria sido superado pelo fundador israelita da ordem é incerto: porém, um substituto seria sem dúvida sido inventado, para cumprir todos os requisitos simbólicos da lenda dos Mistérios ou da Maçonaria espúria sem violar os princípios religiosos da Maçonaria Primitiva dos israelitas. Mas, a necessidade de tal invenção nunca chegou a existir, e antes da conclusão do templo um evento trágico é dito ter ocorrido, o que serviu para cortar aquele nó górdio, e na morte do chefe construtor foi legada a Maçonaria sua tão necessária Lenda. Uma Lenda que, como as lendas de todos os mistérios, seria empregada para testemunhar a fé na ressurreição do corpo e da imortalidade da alma.
Antes de encerrar este tema, é válido ser dito algo sobre a autenticidade da Lenda do Terceiro Grau. Alguns maçons ilustres estão dispostos a dar-lhe pleno crédito como um fato histórico, enquanto outros olham para ela apenas como uma bela alegoria. À medida que esta questão não tenha qualquer impacto sobre o simbolismo da Maçonaria não a torna pertinente, mas aqueles que sustentam seu caráter histórico que o façam nos seguintes fundamentos:
Primeiro, porque o personagem da Lenda é moldado a satisfazer todas as exigências do conhecido axioma de Lirinensis Vincentius, como se pode ajuizar nas questões de tradicionalismos. "Quod semper, quod ubique, quod ab omnibus traditum est"[13]. Isto é, devemos acreditar em tudo que a tradição tem sido em todas as épocas, em todos os lugares, e por todas as pessoas envolvidas.
Sobre essa questão, a Lenda de Hiram Abiff, é óbvio, atende todos os aspectos. Ela tem sido universalmente recebida, e quase universalmente creditada entre os maçons desde as primeiras épocas. Não há nenhum registro de qualquer Maçonaria ter existido desde o tempo do Templo sem ela, e, de fato, está tão intimamente entrelaçada com todo o sistema,  que forma a parte mais essencial do mesmo, dando-lhe seu caráter mais determinante. Evidentemente, a Instituição não poderia existir sem a Lenda, e a Lenda não poderia teria sido preservada sem a Instituição. Isto, portanto, os defensores do caráter histórico da Lenda acreditam dar ao menos certa possibilidade para sua veracidade.
Segundo,  a Lenda não é contrária à história bíblica dos acontecimentos do Templo, portanto, na abstenção da única autoridade escrita sobre o assunto, há a liberdade de se utilizar as informações habituais providas pela tradição, que como é alegado que neste caso, seria razoável, plausível e embasada por sua sucessão ininterrupta.
Em terceiro, argumenta-se que o próprio silêncio das Escrituras em relação à morte de Hiram o Construtor, é um argumento a favor da natureza misteriosa da sua morte. Um homem tão importante ao ponto de ter sido chamado de favorito dos dois reis, enviado por um e recebido por outro como um presente de alto valor e uma cessão considerada digna de nota, dificilmente teria seu  destino deixado em branco quando a obra estivesse concluída. Nenhuma única nota, uma linha sequer foi escrita de que sua morte houvesse ocorrido para prestar contas à posteridade. Previsivelmente, tornou-se a Lenda dos novos mistérios, e, como sua antecessora deveria apenas para ser transmitida quando acompanhada das instruções simbólicas que se pretendia imprimir na mente dos neófitos.
Mas,  se por outro lado, fosse admitida que a Lenda do Terceiro Grau fosse apenas uma ficção e toda a narrativa maçônica e extra bíblica sobre Hiram Abiff seja simplesmente um mito, não poderia nem minimamente, afetar a teoria de que ela atende ao que se propõe. Numa vez que, em uma relação mítica, como o instruído Müller[14] observou, o fato e imaginação, o real e o ideal estão intimamente unidos, e o mito em si sempre se sobressai. De acordo com o mesmo autor, por meio de uma necessidade e inconsciência por parte de seus autores, e por impulsos comuns,  deve-se voltar para a espúria Maçonaria dos Dionisíacos e para o princípio que levou à formação involuntária do mito de Hiram. Chega-se então ao resultado já previsto, ou seja, que a necessidade do sentimento religioso na mente israelita para o qual a introdução da Lenda de Dionísio teria sido abominável, levou à substituição dele por Hiram, na qual a parte ideal da narrativa tem sido intimamente mesclada com acontecimentos reais. Assim, como havia um homem como Hiram Abiff que era o chefe construtor do Templo de Jerusalém e amigo íntimo dos reis de Israel e Tiro, algo indicado por seu título de Ab, ou pai, e que ele não foi notado após a conclusão do Templo, são todos fatos “históricos”. Que ele morreu pela violência, e da forma descrita na Lenda Maçônica, também pode ser verdadeiro, ou podem ser apenas elementos míticos incorporados a tal narrativa “histórica”.
Mas se isto sucedeu desta forma ou não, se a lenda é um fato ou uma ficção, uma história ou um mito, ao menos algo é certo: que a lenda da morte Hiram foi adotada pelos maçons israelitas do Templo como um substituto para a lenda idólatra da morte de Dionísio originária dos Mistérios Dionisíacos dos operários tironianos...


Autoria de Tiago Roblêdo M\ M\
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REFERÊNCIAS

Viver Dioniso: Uma Experiência Arquetípica, Mônica Helena W. de Santana


[1] Êxtase, do grego ekstasis, é um estado da alma em que os sentidos se desprendem das coisas materiais, um arroubo sensorial causado por um grande arrebatamento ou por um vivíssimo prazer que absorve todo e qualquer sentimento, um estado de inspiração absoluta. Entusiasmo, do grego enthousiasmos, é um arrebatamento, dedicação e exaltação criadora, além disso, significa "estar pleno de deus", de acordo com sua origem etimológica.
[2] A escrita satírica de Aristófanes não poupou os festivais dionisíacos. Mas a zombaria e sarcasmo de um escritor cômico devem ser sempre levados em conta. Ele ao menos, era sincero o suficiente para confessar que ninguém podia ser iniciado se tivesse sido culpado de qualquer crime contra o seu país ou a segurança pública. Ranae, v 360-365. Eurípedes torna o coro em sua Bacante para proclamar que os Mistérios eram praticados apenas para fins virtuosos. Em Roma, no entanto, não havia dúvida de que nas iniciações continham conteúdos de caráter licencioso. "On ne peut douter," says Ste. Croix, "que l'introduction des fêtes de Bacchus en Italie n'ait accéleré les progrès du libertinage et de la débauche dans cette contrée."--Myst. du Pag., tom. ii. p. 91.--St. Augustine (De Civ. Dei, lib. vii. c. xxi.). Investe contra a impureza das cerimônias na Itália dos ritos sagrados de Baco. Mas mesmo que ele não nega que o motivo com que foram realizadas foi de um religioso, ou pelo menos a natureza supersticiosa, "Sic videlicet Liber deus placandus fuerat.". A propiciação de uma divindade foi certamente um ato religioso.
[3] 27. Hist. Greece, vol. ii. p. 140.
[4] Pelasgos era um termo usado por alguns autores da Grécia Antiga para se referir a populações que teriam sido ancestrais dos gregos ou que os teriam antecedido na colonização do território onde hoje em dia está a Grécia.
[5] Esta linguagem é citada por de Robison (Provas de uma conspiração, p. 20, Lond. Edição. 1.797), de quem ninguém irá suspeitar ou acusar de uma veneração excessiva para a antiguidade ou a moralidade da ordem maçônica.
[6] Não devemos confundir estes construtores asiáticos com os artistas que foram posteriormente chamados pelos gregos, como aprendemos de Aulo Gélio (lib. xx cap 4.) como "Artífices de Dionísio", Διονυσια & οι τεχνιτα.
[7] Há evidências abundantes, entre os autores antigos, da existência de sinais e senhas nos Mistérios. Assim, Apuleio em sua Apologia, diz: "Si qui forte adest eorundem Solemnium mihi particeps, signum dato", etc, ou seja, "Se alguém passa a ser iniciado nos mesmos ritos que eu fui, e se ele irá me der o sinal, ele deverá então ter a liberdade para ouvir, o que eu preservo com muito cuidado". Plauto também alude a este uso, quando , em suas "Miles Gloriosus", ato iv. sc. 2, ele faz Milphidippa dizer a Pyrgopolonices, "Cedo signum, si harunc Baccharum es", ou seja, " Dê o sinal se você é um dessas Bacantes", ou iniciados nos Mistérios de Baco. Clemente de Alexandria conceitua esses modos de reconhecimento σωθηματα, como se fossem um meio de segurança. Apuleio usa memoracula em outra narrativa, possivelmente para denotar senhas, quando ele diz: "sanctissimè sacrorum signa et memoracula custodire", o que se pode traduzir, "mais escrupulosamente no sentido de preservar os sinais e senhas dos ritos sagrados".
[8] Do grego “aphanismos”, desaparecimento de uma pessoa, após determinados acontecimentos, ou, cerimônia em que as mulheres se entregavam a manifestações de dor, solenizando a morte de Adônis.
[9] Divindade grega que era considerada a Mãe das Divindades Olímpicas e avó de Dionísio, em Cibela na Frígia, esta titã purificou e o ensinou os ritos de iniciação ao herói-deus.
[10] O Barão de Sainte Croix fornece uma breve visão das cerimônias: "Dans ces mystères on employoit, pour remplir l'âme des assistans d'une sainte horreur, les mêmes moyens qu'à Eleusis. L'apparition de fantômes et de divers objets propres à effrayer, sembloit disposer les esprits à la crédulité. Ils en avoient sans doute besoin, pour ajouter foi à toutes les explications des mystagogues: elles rouloient sur le massacre de Bacchus par les Titans," &c.--Recherches sur les Mystères du Paganisme, tom. ii. sect. vii. art. iii. p. 89.
[11] . Lawrie, Hist. of Freemasonry, p. 27.
[12] As escrituras e a tradição narram que, na construção do Templo de Salomão,  os maçons foram divididos em diferentes classes, cada uma engajada em diferentes tarefas. É notado, no Segundo Livro das Crônicas, que essas classes foram os carregadores, os obreiros (entalhadores) e os supervisores, chamados  pelos antigos escritores maçônicos de Ish Sabal, Ish Chotzeb e Menatzchim respectivamente. Possivelmente a instituição Maçônica Moderna tenha observado o mesmo sistema de regulamento utilizado no Templo, havendo certa semelhança nessas classes com os graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre atuais.
[13] Vincentius Lirinensis ou Vincent de Lirens  viveu no século V da era cristã, escreveu um tratado polêmico intitulado "Commonitorium", notável para a veneração cega que dava a voz da tradição. A regra que ele não estabelece, é citada no texto, mas, pode ser considerada numa aplicação diversa, como um axioma pelo qual podemos testar a probabilidade de todas as sortes de tradições.
[14] Prolog. zu einer wissenshaftlich. Mythologie.

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