domingo, 1 de março de 2015

MANUSCRITO DE UM APRENDIZ FRANCO-MAÇON 1780




- Traduzido e adaptado por Tiago Robledo

ARQUIVOS SECRETOS: Manuscrito MS 5921-10 depositado na Biblioteca Municipal de Lyon[1]


"Sábio e iluminado discurso para a recepção de um aprendiz franco-maçom, recebido da Itália e originário da Alemanha, 1780."

(Nota escrita a mão pelo Ir\ J.B. Willermoz[2], posta ao verso do discurso)

A Maçonaria é um segredo que existe desde que o mundo foi criado. Este segredo foi passando de geração em geração até os nossos dias, e assim o continuará sendo feito até o fim dos séculos. Este segredo é impenetrável não tão somente aos profanos, mas também para os Maçons débeis, indolentes e superficiais. Ser Maçom, antes de tudo, é procurar merecer sinceramente ser iniciado em nossos mistérios.

Para se ter uma ideia desta busca, é preciso ser guiado, a Natureza se encarrega de nos inspirar este sentimento. Todo homem nasce com o desejo de ser feliz, todo homem nasce com o desejo da virtude. Mas a Natureza por si só não é suficiente para aperfeiçoar ao homem, ela sabe disto bem, e ela mesma o motiva a consultar a Razão. Esta o recebe e lhe proporciona todos seus cuidados, a Razão não rejeita jamais a aqueles que a ela se entregam.


Da junção dos cuidados e impressões da Natureza e da Razão se forma a Educação. A Educação advinda de dois tão excelentes guias só poderia produzir a Perfeição. A Perfeição no homem é o amor pela Justiça, nosso terceiro guia será então o juízo.

A Natureza, a Razão e a Justiça querem a felicidade do homem, não já somente na outra vida, mas também nesta. Tudo o que existe foi criado para o homem, isto é evidente, pois este goza de disto plenamente, mas só o pode fazer a título da graça: seu poder não é mais que um bem, tem o usufruto, mas não pode crer que seja o dono. Deve sim, valer esta partilha gozando de seus benefícios, mas não pode apropriar deste bem, deve estar sempre disposto a renunciá-lo e não contemplá-lo como sua única posse.

Com a vida, o homem recebeu o livre-arbítrio, o que quer dizer que, se situado entre o bem e o mal é livre para escolher. Pode fazer ver toda a felicidade que conseguiria seguindo o bem que já conhece, ou fazer ameaças com as mais cruéis torturas, a fim de se livrar de um inimigo perigoso que o afronta. Aqui, o ímpio clama a injustiça, porque quer seguir esta última opção, enquanto o justo, ao contrário, enaltece ao seu Criador que, por isso, outorga ao homem ascendência sobre as demais criações[3]. O justo e o ímpio têm seu livre-arbítrio, por que então existe tal contraste?

Por que o orgulho se insinuará ao homem em socorro aos conhecimentos que ele adquire. Caso não tenha extremo cuidado de relacionar estes conhecimentos apenas com o objetivo que lhe foi dado, toma um caminho equivocado e marcha por ele com segurança. Seduzido pela aparência, entrega-se por inteiro à falácia bajuladora de seu oponente que, apenas procura sua ruína, receoso da sua superioridade e de ser sobrepujado.

Uma vez que o homem perca de vista a verdadeira luz, ou impelido por uma curiosidade transgressora, queira servir-se daquilo que lhe foi dado para ultrapassar os limites quais lhe foram prescritos, não fará mais que cair de engano em engano. Percorre espaços imensos, enquanto seu orgulho o faz ver tudo como simples meios para alcançar o fim qual se propôs. Este fim esta claro que não é outro senão a verdade ou a felicidade, mas privado pela falta de ter abandonado a luz, apenas lamenta o porquê que não está no caminho correto, pois as trevas lhe impedem de ver. Busca a paz e a veracidade, mas não encontra nada parecido, ao invés disso, encontra toda sorte de infortúnios. O remorso e a confusão adentraram nele, terá percorrido muito, terá trabalhado muito, porém, por mais que siga neste caminho, não encontrará nada.

Apenas mais tarde, já fartos e fatigados de tanta busca inútil, depois de tanto esforço mau empregado, depois de ter passado por todos os afãs do corpo, da alma e do espírito, é quando finalmente voltamos para essa primeira inclinação pelo verdadeiro, pelo bom e pelo belo. Renunciamos nossos enganos, desprendemo-nos dos infortúnios e voltamos pelos nossos passos em auxílio de nossa consciência perturbada. É quando o grito de nossos guias benfeitores se faz ouvir imperiosamente, nossos guias que procuram sem descanso recuperar seus direitos sobre o homem.

Mas para voltar a encontrar a verdadeira felicidade, é preciso que se domine, que se resigne, que faça oferta daquilo que tem como mais querido, que renuncie a seus direitos, que sofra a morte e a privação de tudo o que havia possuído. E se se sujeita a este pena de toda merecida por sua transgressão, o homem ingrato e perverso obterá sua graça, quando somente esperava por sua destruição. Quem é este generoso amigo que intercede por ele? É seu Criador, é o próprio juízo.

O que ainda se exige do homem? Nada mais que as consequências necessárias de seus erros: a prosternação, a conscientização, o trabalho, a correção e as faltas em si.

Assim que o homem volve seriamente sobre si mesmo e encontra este clarão de luz que todos recebemos, se fizer este exame com o desejo sincero de conhecer-se, de conhecer seu Criador e aquilo que os une, se deseja conduzir à prática mais virtuosa dos deveres aos quais já conhece. Se pelo contrário, o desalento e o assombro estéril não o dividem, se for constante com a lisura, a perseverança e o ardor, o homem se servirá proveitosamente deste fulgor para alcançar a grande Luz. Mas não esqueçamos que esta recompensa deve ser o fruto de uma longa e árdua viagem, que mesmo nos havendo feito indignos dela no passado, nos é dada sob um novo voto de confiança e sob as provas mais autênticas de nossa fidelidade, nossa prudência e nossa resignação.

Até aqui o homem que estamos considerando não está nem nu nem vestido, não sabe ainda resolve-se muito bem por si só, não pode conciliar suas tendências e suas faculdades, surpreende-se com sua liberdade, mensura a si mesmo, a fidelidade, o amor e a confiança que lhe são ordenadas, resigna-se a elas, e sua contrição, sua expiação e sua confidência lhe fazem merecer a graça. É trazido a ela na medida em que a lembrança das circunstâncias de sua criação lhe faz conceber toda a nobreza de sua origem.

Mas o homem só adquire o que deseja consultando a Natureza, a Razão e a Justiça; a primeira é a porta em que deve bater, a segunda é o caminho que deve seguir e a terceira o objetivo ao que deve aspirar. Ingresse então em você mesmo, se estude e se chame a ser ouvido, procure no juízo e além da matéria, o que somente ele pode lhe fazer encontrar, e pedir ao autor de toda Justiça, a entendimento do que terá buscado e encontrado.

Com homem rendido a suas paixões e nestas trevas estando ofuscado, sua origem e seu fim não se fazem presentes. Desconsidera o aspecto espiritual de sua existência, para somente entregar-se a seu aspecto animal e material. Degrada-se se ocupando somente do profano, e no tanto que está imerso neste estado de torpor, não consegue elevar-se mais acima, e ainda nada percebe, porque ele mesmo é quem põe este espesso véu entre ele e a luz.

Mas quando o véu é desvelado, percebe por obra da vontade e da confiança, o que seu espírito ofuscado pelas paixões não lhe permitia ver. Três grandes estrelas se apresentam ante ele, são os três princípios que se encontram gravados em seu coração...

O homem tinha recebido o uso dos metais, como um usufruto e não como uma propriedade, mas equivocado pelo mundano, abusa disso pelo uso excessivo que faz do mesmo. Enquanto na verdade deveria que despojar-se disso. Todas as paixões podem ser inocentes, se estas não se fizerem transgressoras pelo abuso que o homem faça delas. Entregar-nos estes dons, dos que tínhamos sido despojados com merecimento, é nos entregar a graça de fazer um bom uso dos benefícios da Natureza, mas só podemos retomar nossos direitos com um coração puro, fruto da contrição e de uma dedicada resolução.

A excelência do homem está efetivamente apoiada sobre três Colunas ou três impressões quais se encontram gravadas em seu coração, se acaso for examiná-lo, encontrará senão as três virtudes teologais[4]. Sem sua prática, todo edifício moral vem abaixo, estando o homem deste modo apoiado sobre a Força, a Sabedoria e a Beleza quais nos representam a divindade, a humanidade e os elementos; a Natureza, a Razão e a Justiça; o espiritual, o animal e o material; a inteligência, a concepção e a vontade, etc.

Os Aprendizes estão ao norte do Templo para dedicar-se à obra, na expectativa de adquirirem a potência e a ciências dos trabalhos maçônicos. Ou seja, o homem ao qual se faz vislumbrar as ciências que acredita estarem além do alcance de seu espírito, tem a necessidade de um pouco de espaço e reflexão para acostumar-se às ideias quais devem nascer nele. Estas novas noções, ele acredita que a verdadeira razão rejeita, e frequentemente toma como razão própria um conjunto de consequências, falsas noções qual recebeu ou qual lhe foram dadas por intermédio de seus infortúnios. Vencer estes infortúnios e vencer sua vontade, não é uma tarefa fácil, mas é, entretanto um esforço necessário e pré-requisito para conquista de um novo saber.

Mas estes novos saberes parecem ao Candidato, como uma Pedra Bruta nas mãos de um desbastador inexperiente. Esta pedra é disforme, seu saber também o é. Os primeiros golpes de cinzel dados sobre esta pedra, embora a vão desbastando, não parecem ainda lhe dar forma alguma, do mesmo modo nossas primeiras buscas feitas sobre uma verdade velada não nos contribuem tampouco em nada de positivo. Mas infalivelmente, se atuar com desejo, amor, e confiança, ao verdadeiro Maçom se abrirá um caminho à perfeição, da mesma forma que com a prática, o desbastador inexperiente conseguirá esquadrar sua pedra em suas justas e perfeitas medidas. A ignorância ou o engano lhe farão contemplar aquilo que busca como um caos que ainda não sabe como ordenar, como uma luz ainda envolta nas mais espessas trevas quais é preciso dissipar. São necessários ainda, tempo e reflexão para ordenar as novas ideias, vencer os infortúnios e conquistar novas noções sobre assuntos que, o espírito inimigo da matéria, não dá pista alguma a aqueles que o desprezaram.

Sendo a recompensa proporcional ao mérito de cada um, o homem que não se ache ainda no estado a que nos referimos, não pode almejar uma satisfação que logicamente vá além de seu mérito atual. No Templo há diversos lugares, como a Coluna esta J\, qual é destinada ao pagamento dos verdadeiros aprendizes. O significado desta coluna quer dizer: "Confiança no Criador".

Ah! É acaso uma grande recompensa ter chegado à conclusão de que devemos pôr nossa plena confiança naquele do qual tudo temos recebido? Quem mais poderia nos dar tal recompensa? Sabemos que outro que não ele pode nos fazer equivocar, e que inutilmente procuramos além dele, o que só nele podemos encontrar. É então neste estado de franco retorno a ele quando o homem recebe sua recompensa, já que, quando este retorno é realmente franco, é infalivelmente seguido de uma doce emoção, a qual é mais fácil sentir do que expressar. Entendemos claramente que não nos encontramos ao final do caminho, mas ao menos, gozamos da satisfação de ver-nos no caminho correto qual conduz ao objetivo almejado, e por mais afastada que se encontre a luz, esta é tão grande que ainda ilumina o caminho para aquele qual a busca francamente.

Relegados ao setentrião da edificação do Templo, quer dizer, ainda absorvidos pela lembrança de nossos enganos e nossas faltas, rodeados ainda das consequências de nossas infidelidades, não podemos receber nossa recompensa senão sob as três seguintes condições: a contrição, a expiação e a confidência de nossas faltas, representadas pelo símbolo do quádruplo esquadro[5], por um sincero exercício da reverência que nos é prescrita, e um uso sagrado da exortação que nos é ensinada.

Para concluir este discurso, convenhamos, meus Irmãos, que o homem não pode receber esta graça, este fabuloso bem desejado por todos, embora pouco conhecido, até que este homem, querendo sair por completo das trevas e do engano, busque de boa fé a densa luz. Qual indignado com seu próprio orgulho queira seguir somente a virtude, e que convencido da existência de um ser perfeito, deposite plena confiança nele, em quem reside a verdadeira Loja Maçônica, justa e perfeita, a Força, a Sabedoria e a Beleza.

O Aprendiz que logo que sabe soletrar e absolutamente escrever, é para nós uma representação apropriada do homem, tímido observador da lei que quer seguir, mas incapaz de fazer um plano preciso de seus deveres e nenhuma aplicação justa de seus conhecimentos. Saído das trevas da ignorância e do engano, somente poderá se acostumar-se pouco a pouco às novas noções, que com muita dificuldade vislumbrará, e das quais só mediante os distintos Graus, poderá fazer uma ideia justa e perfeita.

Este número três, não terá acaso relação com os três mandamentos[6], as três virtudes teologais, os três elementos da trindade, com alguma época determinada e com alguma aliança?

A luz preside o trabalho, as trevas o repouso. Tudo o que o homem faz deve ser digno da luz, e se por engano procura as trevas, tal qual ao primeiro homem, exporá a desordem de sua consciência. Sempre é tempo de fazer o bem, posto que para os Maçons, a hora sempre é antes do meio-dia e tempo para nos pôr a trabalhar. Se procurarmos a luz com determinação a encontraremos e a inércia é uma verdadeira renúncia a esta luz.



[1] Lyon é uma das maiores cidades francesas, capital da região Ródano-Alpes e do departamento de Ródano.  Lyon foi fundada sobre a colina Fourvière como uma colônia romana em 43 A.C. por Munatius Plancus, um tenente de Júlio César, num assentamento de uma colina gaulesa chamada Lug [o] dunon, do deus celta Lugus ("Luz", do velho irlandês Lugh, irlandês moderno Lú) e dúnon ("colina" ou "forte"). Lyon foi primeiramente denominada Lugduno significado de "monte de luzes" ou "o monte de corvos". Lug foi igualado pelos romanos a Mercúrio. Durante o Renascimento, a cidade desenvolveu com o comércio da seda, especialmente com a Itália, a influência italiana sob a arquitetura de Lyon ainda pode ser vista.
[2] Jean-Baptiste Willermoz (10 de julho de 1730 - 29 de maio 1824) foi um francês Maçom e Martinista que desempenhou um papel importante no estabelecimento de diversos sistemas maçônicos de Altos Graus em seu tempo, tanto a França quanto na Alemanha, havendo residido na maior parte da vida na cidade de Lyon.
[3] No original “anjos”.
[4] A Fé, a Esperança e a Caridade.
[5] Os Maçons Operativos empregavam uma ferramenta chamada de “Esquadro Perfeito” (Perfect Ashlar Square) que é um esquadro (quadrado) com os cantos sobrepostos a modo do esquadro Oxford, era um quádruplo esquadro, a retidão física desta ferramenta, aludia à retidão espiritual do homem. Por sua vez, a forma do quadrado (e do círculo) está relacionada no 47º problema de Euclides da “quadratura do círculo”, dito ser um dos principais objetivos do Ofício Maçônico. A quadratura do círculo, no entanto, neste caso não se refere a um problema matemático: é uma referência a busca inata do homem em harmonizar sua natureza espiritual e material. O esquadro sendo representação do corpo físico era conjugado ao círculo (aludido pelo compasso), a representação do espírito. Assim o compasso e esquadro simbolizam o estado do homem como um espírito eterno manifestando na matéria transitória.
[6] No Direito Romano se estabeleceu três mandamentos viver honestamente (honeste vivere), não ofender ninguém (neminem laedere), dar a cada o que lhe pertence (suum cuique tribuere). Podem também fazer referência aos três primeiros dos mandamentos compilados por Moises cujo teor trata das relações com o Criador e ainda a Marcos 13:33 que diz: “Olhai, vigiai, e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo”.

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