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Traduzido e adaptado por Tiago Robledo
ARQUIVOS
SECRETOS: Manuscrito MS 5921-10 depositado na Biblioteca Municipal de Lyon[1]
"Sábio
e iluminado discurso para a recepção de um aprendiz franco-maçom, recebido da
Itália e originário da Alemanha, 1780."
A Maçonaria
é um segredo que existe desde que o mundo foi criado. Este segredo foi passando
de geração em geração até os nossos dias, e assim o continuará sendo feito até
o fim dos séculos. Este segredo é impenetrável não tão somente aos profanos,
mas também para os Maçons débeis, indolentes e superficiais. Ser Maçom, antes
de tudo, é procurar merecer sinceramente ser iniciado em nossos mistérios.
Para se ter
uma ideia desta busca, é preciso ser guiado, a Natureza se encarrega de nos
inspirar este sentimento. Todo homem nasce com o desejo de ser feliz, todo
homem nasce com o desejo da virtude. Mas a Natureza por si só não é suficiente
para aperfeiçoar ao homem, ela sabe disto bem, e ela mesma o motiva a consultar
a Razão. Esta o recebe e lhe proporciona todos seus cuidados, a Razão não
rejeita jamais a aqueles que a ela se entregam.
Da junção dos
cuidados e impressões da Natureza e da Razão se forma a Educação. A Educação advinda
de dois tão excelentes guias só poderia produzir a Perfeição. A Perfeição no
homem é o amor pela Justiça, nosso terceiro guia será então o juízo.
A Natureza,
a Razão e a Justiça querem a felicidade do homem, não já somente na outra vida,
mas também nesta. Tudo o que existe foi criado para o homem, isto é evidente,
pois este goza de disto plenamente, mas só o pode fazer a título da graça: seu
poder não é mais que um bem, tem o usufruto, mas não pode crer que seja o dono.
Deve sim, valer esta partilha gozando de seus benefícios, mas não pode
apropriar deste bem, deve estar sempre disposto a renunciá-lo e não
contemplá-lo como sua única posse.
Com a vida,
o homem recebeu o livre-arbítrio, o que quer dizer que, se situado entre o bem
e o mal é livre para escolher. Pode fazer ver toda a felicidade que conseguiria
seguindo o bem que já conhece, ou fazer ameaças com as mais cruéis torturas, a
fim de se livrar de um inimigo perigoso que o afronta. Aqui, o ímpio clama a injustiça,
porque quer seguir esta última opção, enquanto o justo, ao contrário, enaltece ao
seu Criador que, por isso, outorga ao homem ascendência sobre as demais
criações[3].
O justo e o ímpio têm seu livre-arbítrio, por que então existe tal contraste?
Por que o orgulho
se insinuará ao homem em socorro aos conhecimentos que ele adquire. Caso não tenha
extremo cuidado de relacionar estes conhecimentos apenas com o objetivo que lhe
foi dado, toma um caminho equivocado e marcha por ele com segurança. Seduzido
pela aparência, entrega-se por inteiro à falácia bajuladora de seu oponente que,
apenas procura sua ruína, receoso da sua superioridade e de ser sobrepujado.
Uma vez que
o homem perca de vista a verdadeira luz, ou impelido por uma curiosidade transgressora,
queira servir-se daquilo que lhe foi dado para ultrapassar os limites quais lhe
foram prescritos, não fará mais que cair de engano em engano. Percorre espaços
imensos, enquanto seu orgulho o faz ver tudo como simples meios para alcançar o
fim qual se propôs. Este fim esta claro que não é outro senão a verdade ou a
felicidade, mas privado pela falta de ter abandonado a luz, apenas lamenta o
porquê que não está no caminho correto, pois as trevas lhe impedem de ver. Busca
a paz e a veracidade, mas não encontra nada parecido, ao invés disso, encontra toda
sorte de infortúnios. O remorso e a confusão adentraram nele, terá percorrido muito,
terá trabalhado muito, porém, por mais que siga neste caminho, não encontrará
nada.
Apenas mais
tarde, já fartos e fatigados de tanta busca inútil, depois de tanto esforço mau
empregado, depois de ter passado por todos os afãs do corpo, da alma e do
espírito, é quando finalmente voltamos para essa primeira inclinação pelo
verdadeiro, pelo bom e pelo belo. Renunciamos nossos enganos, desprendemo-nos dos
infortúnios e voltamos pelos nossos passos em auxílio de nossa consciência
perturbada. É quando o grito de nossos guias benfeitores se faz ouvir imperiosamente,
nossos guias que procuram sem descanso recuperar seus direitos sobre o homem.
Mas para
voltar a encontrar a verdadeira felicidade, é preciso que se domine, que se
resigne, que faça oferta daquilo que tem como mais querido, que renuncie a seus
direitos, que sofra a morte e a privação de tudo o que havia possuído. E se se sujeita
a este pena de toda merecida por sua transgressão, o homem ingrato e perverso
obterá sua graça, quando somente esperava por sua destruição. Quem é este generoso
amigo que intercede por ele? É seu Criador, é o próprio juízo.
O que ainda
se exige do homem? Nada mais que as consequências necessárias de seus erros: a prosternação,
a conscientização, o trabalho, a correção e as faltas em si.
Assim que o
homem volve seriamente sobre si mesmo e encontra este clarão de luz que todos
recebemos, se fizer este exame com o desejo sincero de conhecer-se, de conhecer
seu Criador e aquilo que os une, se deseja conduzir à prática mais virtuosa dos
deveres aos quais já conhece. Se pelo contrário, o desalento e o assombro
estéril não o dividem, se for constante com a lisura, a perseverança e o ardor,
o homem se servirá proveitosamente deste fulgor para alcançar a grande Luz. Mas
não esqueçamos que esta recompensa deve ser o fruto de uma longa e árdua viagem,
que mesmo nos havendo feito indignos dela no passado, nos é dada sob um novo voto
de confiança e sob as provas mais autênticas de nossa fidelidade, nossa
prudência e nossa resignação.
Até aqui o
homem que estamos considerando não está nem nu nem vestido, não sabe ainda resolve-se
muito bem por si só, não pode conciliar suas tendências e suas faculdades,
surpreende-se com sua liberdade, mensura a si mesmo, a fidelidade, o amor e a
confiança que lhe são ordenadas, resigna-se a elas, e sua contrição, sua expiação
e sua confidência lhe fazem merecer a graça. É trazido a ela na medida em que a
lembrança das circunstâncias de sua criação lhe faz conceber toda a nobreza de
sua origem.
Mas o homem
só adquire o que deseja consultando a Natureza, a Razão e a Justiça; a primeira
é a porta em que deve bater, a segunda é o caminho que deve seguir e a terceira
o objetivo ao que deve aspirar. Ingresse então em você mesmo, se estude e se
chame a ser ouvido, procure no juízo e além da matéria, o que somente ele pode
lhe fazer encontrar, e pedir ao autor de toda Justiça, a entendimento do que
terá buscado e encontrado.
Com homem rendido
a suas paixões e nestas trevas estando ofuscado, sua origem e seu fim não se
fazem presentes. Desconsidera o aspecto espiritual de sua existência, para somente
entregar-se a seu aspecto animal e material. Degrada-se se ocupando somente do
profano, e no tanto que está imerso neste estado de torpor, não consegue
elevar-se mais acima, e ainda nada percebe, porque ele mesmo é quem põe este
espesso véu entre ele e a luz.
Mas quando
o véu é desvelado, percebe por obra da vontade e da confiança, o que seu
espírito ofuscado pelas paixões não lhe permitia ver. Três grandes estrelas se
apresentam ante ele, são os três princípios que se encontram gravados em seu
coração...
O homem
tinha recebido o uso dos metais, como um usufruto e não como uma propriedade,
mas equivocado pelo mundano, abusa disso pelo uso excessivo que faz do mesmo. Enquanto
na verdade deveria que despojar-se disso. Todas as paixões podem ser inocentes,
se estas não se fizerem transgressoras pelo abuso que o homem faça delas. Entregar-nos
estes dons, dos que tínhamos sido despojados com merecimento, é nos entregar a
graça de fazer um bom uso dos benefícios da Natureza, mas só podemos retomar
nossos direitos com um coração puro, fruto da contrição e de uma dedicada resolução.
A
excelência do homem está efetivamente apoiada sobre três Colunas ou três impressões
quais se encontram gravadas em seu coração, se acaso for examiná-lo, encontrará
senão as três virtudes teologais[4].
Sem sua prática, todo edifício moral vem abaixo, estando o homem deste modo
apoiado sobre a Força, a Sabedoria e a Beleza quais nos representam a divindade,
a humanidade e os elementos; a Natureza, a Razão e a Justiça; o espiritual, o
animal e o material; a inteligência, a concepção e a vontade, etc.
Os Aprendizes
estão ao norte do Templo para dedicar-se à obra, na expectativa de adquirirem a
potência e a ciências dos trabalhos maçônicos. Ou seja, o homem ao qual se faz
vislumbrar as ciências que acredita estarem além do alcance de seu espírito,
tem a necessidade de um pouco de espaço e reflexão para acostumar-se às ideias
quais devem nascer nele. Estas novas noções, ele acredita que a verdadeira razão
rejeita, e frequentemente toma como razão própria um conjunto de consequências,
falsas noções qual recebeu ou qual lhe foram dadas por intermédio de seus infortúnios.
Vencer estes infortúnios e vencer sua vontade, não é uma tarefa fácil, mas é,
entretanto um esforço necessário e pré-requisito para conquista de um novo
saber.
Mas estes
novos saberes parecem ao Candidato, como uma Pedra Bruta nas mãos de um desbastador
inexperiente. Esta pedra é disforme, seu saber também o é. Os primeiros golpes
de cinzel dados sobre esta pedra, embora a vão desbastando, não parecem ainda
lhe dar forma alguma, do mesmo modo nossas primeiras buscas feitas sobre uma
verdade velada não nos contribuem tampouco em nada de positivo. Mas
infalivelmente, se atuar com desejo, amor, e confiança, ao verdadeiro Maçom se
abrirá um caminho à perfeição, da mesma forma que com a prática, o desbastador
inexperiente conseguirá esquadrar sua pedra em suas justas e perfeitas medidas.
A ignorância ou o engano lhe farão contemplar aquilo que busca como um caos que
ainda não sabe como ordenar, como uma luz ainda envolta nas mais espessas
trevas quais é preciso dissipar. São necessários ainda, tempo e reflexão para
ordenar as novas ideias, vencer os infortúnios e conquistar novas noções sobre
assuntos que, o espírito inimigo da matéria, não dá pista alguma a aqueles que
o desprezaram.
Sendo a
recompensa proporcional ao mérito de cada um, o homem que não se ache ainda no
estado a que nos referimos, não pode almejar uma satisfação que logicamente vá
além de seu mérito atual. No Templo há diversos lugares, como a Coluna esta J\, qual é destinada ao pagamento dos
verdadeiros aprendizes. O significado desta coluna quer dizer: "Confiança
no Criador".
Ah! É acaso
uma grande recompensa ter chegado à conclusão de que devemos pôr nossa plena confiança
naquele do qual tudo temos recebido? Quem mais poderia nos dar tal recompensa?
Sabemos que outro que não ele pode nos fazer equivocar, e que inutilmente
procuramos além dele, o que só nele podemos encontrar. É então neste estado de franco
retorno a ele quando o homem recebe sua recompensa, já que, quando este retorno
é realmente franco, é infalivelmente seguido de uma doce emoção, a qual é mais
fácil sentir do que expressar. Entendemos claramente que não nos encontramos ao
final do caminho, mas ao menos, gozamos da satisfação de ver-nos no caminho
correto qual conduz ao objetivo almejado, e por mais afastada que se encontre a
luz, esta é tão grande que ainda ilumina o caminho para aquele qual a busca francamente.
Relegados ao
setentrião da edificação do Templo, quer dizer, ainda absorvidos pela lembrança
de nossos enganos e nossas faltas, rodeados ainda das consequências de nossas
infidelidades, não podemos receber nossa recompensa senão sob as três seguintes
condições: a contrição, a expiação e a confidência de nossas faltas,
representadas pelo símbolo do quádruplo esquadro[5],
por um sincero exercício da reverência que nos é prescrita, e um uso sagrado da
exortação que nos é ensinada.
Para concluir
este discurso, convenhamos, meus Irmãos, que o homem não pode receber esta
graça, este fabuloso bem desejado por todos, embora pouco conhecido, até que
este homem, querendo sair por completo das trevas e do engano, busque de boa fé
a densa luz. Qual indignado com seu próprio orgulho queira seguir somente a
virtude, e que convencido da existência de um ser perfeito, deposite plena
confiança nele, em quem reside a verdadeira Loja Maçônica, justa e perfeita, a Força,
a Sabedoria e a Beleza.
O Aprendiz que
logo que sabe soletrar e absolutamente escrever, é para nós uma representação
apropriada do homem, tímido observador da lei que quer seguir, mas incapaz de
fazer um plano preciso de seus deveres e nenhuma aplicação justa de seus
conhecimentos. Saído das trevas da ignorância e do engano, somente poderá se
acostumar-se pouco a pouco às novas noções, que com muita dificuldade vislumbrará,
e das quais só mediante os distintos Graus, poderá fazer uma ideia justa e perfeita.
Este número
três, não terá acaso relação com os três mandamentos[6],
as três virtudes teologais, os três elementos da trindade, com alguma época determinada
e com alguma aliança?
A luz
preside o trabalho, as trevas o repouso. Tudo o que o homem faz deve ser digno
da luz, e se por engano procura as trevas, tal qual ao primeiro homem, exporá a
desordem de sua consciência. Sempre é tempo de fazer o bem, posto que para os Maçons,
a hora sempre é antes do meio-dia e tempo para nos pôr a trabalhar. Se
procurarmos a luz com determinação a encontraremos e a inércia é uma verdadeira
renúncia a esta luz.
[1]
Lyon é
uma das maiores cidades francesas, capital da região Ródano-Alpes e do
departamento de Ródano. Lyon foi fundada
sobre a colina Fourvière como uma colônia romana em 43 A.C. por Munatius
Plancus, um tenente de Júlio César, num assentamento de uma colina gaulesa
chamada Lug [o] dunon, do deus celta Lugus ("Luz", do velho irlandês
Lugh, irlandês moderno Lú) e dúnon ("colina" ou "forte").
Lyon foi primeiramente denominada Lugduno significado de "monte de luzes"
ou "o monte de corvos". Lug foi igualado pelos romanos a Mercúrio.
Durante o Renascimento, a cidade desenvolveu com o comércio da seda,
especialmente com a Itália, a influência italiana sob a arquitetura de Lyon
ainda pode ser vista.
[2]
Jean-Baptiste
Willermoz (10 de julho de 1730 - 29 de maio 1824) foi um francês Maçom e Martinista
que desempenhou um papel importante no estabelecimento de diversos sistemas
maçônicos de Altos Graus em seu tempo, tanto a França quanto na Alemanha,
havendo residido na maior parte da vida na cidade de Lyon.
[3]
No original
“anjos”.
[4] A Fé, a
Esperança e a Caridade.
[5]
Os Maçons Operativos empregavam
uma ferramenta chamada de “Esquadro Perfeito” (Perfect Ashlar Square) que é um
esquadro (quadrado) com os cantos sobrepostos a modo do esquadro Oxford, era um
quádruplo esquadro, a retidão física desta ferramenta, aludia à retidão
espiritual do homem. Por sua vez, a forma do quadrado (e do círculo) está
relacionada no 47º problema de Euclides da “quadratura do círculo”, dito ser um
dos principais objetivos do Ofício Maçônico. A quadratura do círculo, no
entanto, neste caso não se refere a um problema matemático: é uma referência a
busca inata do homem em harmonizar sua natureza espiritual e material. O
esquadro sendo representação do corpo físico era conjugado ao círculo (aludido
pelo compasso), a representação do espírito. Assim o compasso e esquadro simbolizam
o estado do homem como um espírito eterno manifestando na matéria transitória.
[6]
No Direito Romano se
estabeleceu três mandamentos viver honestamente (honeste vivere), não ofender
ninguém (neminem laedere), dar a cada o que lhe pertence (suum cuique
tribuere). Podem também fazer referência aos três primeiros dos
mandamentos compilados por Moises cujo teor trata das relações com o Criador e
ainda a Marcos 13:33 que diz: “Olhai, vigiai, e orai, porque não sabeis quando
chegará o tempo”.
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