Podemos
facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia da vida
é quando os homens têm medo da luz.
- Platão
APRESENTAÇÃO
A Lodge of
Edinburgh Nº1[1]
também chamada Mary’s Chapel é uma Loja Maçônica com sede em Edimburgo na Escócia, jurisdicionada a Grande
Loja da Escócia foi fundada em 1599 por William
Shaw (autor de Estatutos Schaw),
e sob a autoridade de William St. Clair.
Ela é a número 1 na lista da Grande Loja da Escócia, uma vez que é considerada
como tendo o mais antigo registro de uma sessão maçônica, de Julho de 1599, e possuir
a primeira referência histórica de membros especulativos (não construtores).
Esse posto foi desafiado pela Loja de Kilwinning, constituída no oriente de
Kilwinning também na Escócia.
De 1599-1688, a loja foi chamada puramente Loja de Edimburgo,
nome posteriormente mudado quando a Grande Loja da Escócia confirmou a sua
carta e designação sob o nome atual Loja
de Edimburgo (Capela de Maria) Nº 1.
O nome de Maria provém da Capela de Santa
Maria, fundada em 1505 no centro de Niddry’s Wynd (Edimburgo) por Elizabeth,
condessa de Ross (Escócia). A capela foi demolida em 1785 para a construção de
uma ponte ao sul da cidade.
Algumas datas importantes podem ser destacadas na
história desta tão tradicional Loja:
1598-1599: A Loja
de Edimburgo e outras na Escócia
foram legalmente dirigidas conforme os estatutos criados em 1598-99,
promulgados por William Schaw
"Maister of wark, Wairden of ye Masons". Existiam 3 Lojas no reino,
as quais ainda existem sob os números, 1, 0 e 30, nos registros da Grande Loja da Escócia. Em um registro da Grand Lodge No 1, lê-se em latim que
o juramento é feito sobre o "Livro" que é portado pelos Irmãos mais
antigos. Existem dúvidas se o livro é a Bíblia, os Evangelhos, o Livro das
Obrigações do Maçom, os Estatutos da Ordem ou outro qualquer, mais como está
relacionado com o juramento, as maiores possibilidades são de que se trate de
um livro sagrado. Neste ano é lavrado o registro abordado nesta obra.
1600: Sir
Thomas Boswell, esquire de Auschinleck,
Escócia, foi nomeado Inspetor de uma Loja que já admitia membros que não fossem construtores. É a
primeira informação relativa a um elemento não profissional recebido por uma Loja de Maçons. Outros autores dão o nome como John Boswell, Lord de
Auschinleck sendo admitido como aceito nesta Loja. E este John Boswell é antecessor do James Boswell que foi Delegado do Grão Mestre da Escócia entre
1776 e 1778.
1641: Ata da Loja
Mary´s Chapel indicando que Maçons Especulativos
foram iniciados. Nessa oportunidade foram iniciados Robert Morey, Quartel Mestre
Geral do Exército Escocês, o Coronel
Mainwaring e o sábio alquimista e antiquário inglês Elias Ashmole. Aos 3 novos irmãos reconheceram-se lhes o título de Maçom,
mas como não gozavam dos privilégios dos autênticos obreiros pois o cargo era
somente honorário, foram denominados como "accepted masons".
1720-1750: Existe em Edimburgo um trabalho lavrado
em madeira que reproduz com muita fidelidade a Lenda de Hiram, executado pelo artista italiano Giovanni Francesco Barbieri por volta de
1720-1750. Sabendo-se que a Lenda foi
incorporada ao ritualismo maçônico mais ou menos em 1725, conjetura-se que Giovanni possa ter sido um dos maçons
aceitos da época e que a Lenda já era
parte integrante da ritualística maçônica.
O REGISTRO
Agradecimento,
Agradeço
imensamente ao Professor William Gillies da Universidade de Edimburgo e Dra.
Christine Robinson Diretora do Scottish Language Dictionaries que realizaram a
tradução da Ata. Inicialmente me propus a fazer a tradução, pois pensei que a
mesma esta em inglês medieval. Engano, ela fora escrita em escocês medieval. O
escocês medieval tem forte influencia dos pictos[2]
e gaélico[3].
[Agradecimento da versão em inglês moderno]
Manuscrito
original escrito pelo próprio punho do Secretário da Loja.
Vltimo July 1599
The qlk day George Patoun maissoun
grenttit & confessit that he had offendit agane the dekin & mrs for
placeing of ane cowane to wirk at ane chymnay heid for tua dayis and ane half
day, for the qlk offenss he submittit him self in the dekin & mrs guds
willis for qt vnlaw they pless to lay to his charge, and thay having respect to
the said Georges humill submissioun & of his estait, they remittit him the
said offenss, Providing alwayis that gif ather he [or] ony vther brother comitt
the lyke offenss heirefter that the law sall stryke vpoun thame indiscreta
wtout exceptioun of personis. This wes done in prcs of Paull Maissoun dekin,
Thoas Weir warden, Thoas Watt, Johne Broun, Henrie Tailzefeir, the said George
Patoun, & Adam Walkar. Ita est Adamus Gibsone norius. Paull Maissoun,
dekin.
Transcrição
do manuscrito presente no Livro da História da Loja.
Last day of July 1599
The which day George Patoun, mason, admitted and confessed that he had
offended against the Deacon and ? members putting an unqualified mason to work
at a chimneyhead for two and a half days, for the which offence he submitted
himself to the Deacon and ? members’ good will for that illegal act that they
please to lay to his charge, and they, having respect to the said George’s
humble submission and to his position in the community, they remit him of the
said offence, providing always that if he or any other brother commit the same
offence hereafter, that the law shall strike them indiscriminately without
exception of persons. This was done in the presence of Paul Mason, Deacon,
Thomas Weir, Warden. John Brown, Henry Taillefer, the said George Paton and
Adam Walker. So it is Adam Gibson, notary. Paul Mason, Deacon.
Tradução
para o inglês moderno realizada pela Dra. Christine Robinson[4].
Último dia de Julho de 1599
Dia no qual George Paton, maçom, admitiu e confessou que ele havia praticado
ofensa contra o Diácono e outros membros colocando um maçom não qualificado
para trabalhar na chaminé por dois dias e meio, por tal ofensa ele submeteu-se
ao Diácono e aos demais membros por boa vontade devido ao seu ato ilegal
requerendo o seu cargo a disposição, e eles em respeito à humilde submissão e
papel na comunidade de George perdoam-lhe a referida ofensa, determinando que
sempre que ele ou qualquer outro que cometam tal ofensa referida, que a lei
deverá recair sobre eles sem distinção e exceção. Isso foi feito na presença de
Paul Mason, Diácono, Thomas Weir, Vigilante. John Brown, Henry Taillefer, o referido
George Paton e Adam Walker. Para isso, Adam Gibson, Secretário. Paul Mason,
Diácono.
Tradução
para o português realizada por Tiago
Roblêdo baseada na versão de Roberto Aguilar M. S. Silva.
O REGISTRO COMENTADO
Dia no qual George Patoun, maçom, admitiu e confessou que ele havia praticado
ofensa contra o Diácono...
O
primeiro ponto a ser observado no texto, é a evidente existência de uma “Regra
Maçônica”, é presente um dispositivo de julgamento que compreende haver uma
conduta (ética e trabalhista) correta para o transcorrer dos trabalhos e que,
naquela altura havia sido transgredida.
Por
sua vez, o Diácono, papel hoje quase
que meramente ritualístico, restringindo-se a cobertura do Oficiante na abertura do Livro
da Lei e do Painel da Loja,
naquele período ainda parecia deter a importância de sua função operativa e
fazer prerrogativa dela. A palavra “Diácono” é de origem grega, diakonos, que significa servente, e suas funções seriam de apoiar
a execução dos trabalhos sendo os responsáveis pela orientação da edificação em
sua construção. A palavra "oriente" que significa “leste” procede do
latim oriens, que por sua vez significa
“ascensão", pois os Templos eram
orientados a partir da ascensão do Sol. Como serventes, atuavam como emissários
diretos do Mestre de Obra (o Venerável
Mestre).
...colocando um maçom não qualificado para trabalhar...
A
tradutora em sua versão para o inglês moderno escolheu traduzir o original “cowane”
como “unqualified mason” (apesar de fornecer breve explicação quanto ao caso[5]),
entretanto a raiz “cowane” dá origem ao termo “cowan”, que no Brasil é
conhecido como “goteira” pelos Maçons
Especulativos. Este é o fato gerador de toda a querela registrada nessa ata
e a ele se deve maiores comentários.
Algumas
versões indicam que o termo Cowan advém
do grego significando "cão" e foi empregado em analogia aos hábitos intrometidos
daquele animal. Um dicionário de linguagem francesa diz que Cowan é derivado da palavra francesa
"COION" (um companheiro covarde), em analogia a Lenda do Assassínio de Hiram Abiff. No aspecto operativo temos "Covan",
um construtor que erigia "muro seco", obra qual não empregava uso de
cimento ou argamassa (ou seja, de técnica amadora). Levantou-se ainda que a ata
N° 0, da Loja Mãe do Mundo Kilwinning, de 1707, registrou que nenhum
Maçom deveria empregar um
"Cowan" (Maçom sem a Palavra), para trabalhar. Isto significa que
naquela época quem não tinha uma certa palavra convencional, não podia
trabalhar para os Maçons reconhecidos
ou junto com eles, ter essa palavra pressupunha que tal Maçom foi corretamente iniciado e estava em estado “regular”. A
palavra Cowan aparece frequentemente
nos textos escoceses, significando espião, abelhudo, bisbilhoteiro etc. Já os
textos ingleses aludiam que, durante as reuniões de construtores alguns
curiosos subiam nos telhados das tavernas onde estes se reuniam, penduravam-se
nas calhas ou nos beirais e deitavam-se nos telhados com as cabeças penduradas
como se fossem goteiras da chuva. Esses curiosos tentavam ouvir e ver o que
falavam ou faziam aqueles construtores durante as reuniões, qual deveriam
acontecer somente “a coberto”, sem a presença de estranhos ou construtores
irregulares.
...por tal ofensa ele submeteu-se ao Diácono e aos demais membros por
boa vontade devido ao seu ato ilegal requerendo o seu cargo a disposição...
Reforça-se
aqui a ideia de uma “Regra Maçônica”, o ato de transgressão perpetrada pelo
“réu” tem como pena a entrega de seu cargo, sua exclusão dos trabalhos.
Contemporaneamente poderíamos dizer que houvera uma transgressão ao do Landmark XI (compilação de Mackey).
...eles em respeito à humilde submissão e papel na comunidade de George
perdoam-lhe a referida ofensa.
Dada
à postura do Irmão transgressor quanto ao caso, às virtudes do perdão de da
tolerância foram proeminentes em seu julgamento e prevaleceu a fraternidade.
Mas tal decisão não teria sido tomada sem um escrutínio do histórico do Irmão,
seu “papel na comunidade”, aquele ato foi tomado possivelmente como um erro sem
intenção de injúria por parte do “réu”.
...determinando que sempre que ele ou qualquer outro que cometam tal
ofensa referida, que a lei deverá recair sobre eles sem distinção e exceção...
Apesar
da decisão branda da assembleia quanto ao caso, é reforçado ao réu (e aos
demais) que “a lei deverá recair sobre
eles sem distinção e exceção”. Ora, se a lei (ou tal “regra maçônica”) deve
recair “sem distinção e exceção” por que ali houve exceção na punição? Aqui há
uma sutileza no texto registrado, o que recaíra é a “lei”, e não
necessariamente uma punição, no caso, o transgressor não passaria incólume
quanto ao caso, deveria se submeter a um julgamento, ou seja, a lei (e suas
deliberações). Outro aspecto que deve ser ressaltado é que lei (ou regra) poderia não ser (ao menos plenamente)
conhecida por seu transgressor o que extenuaria a punição. Estamos falando de
uma Loja Maçônica ainda operativa, o
ano era 1599, a existência de um conjunto de regras mesmo que breve poderia ser
transmitida oralmente (logo precariamente) e no caso de escrita, seria do
conhecimento pleno de uma minoria dado os índices de analfabetismo da época.
Esse desconhecimento inocente poderia muito bem ser a causa do perdão do
transgressor.
...Isso foi feito na presença de Paul Mason, Diácono, Thomas Weir,
Vigilante. John Brown, Henry Taillefer, o referido George Paton e Adam Walker.
Para isso, Adam Gibson, Secretário. Paul Mason, Diácono.
Houve
um quórum substancial na sessão qual ocorreu aquele julgamento, um contingente
não pequeno de Irmãos se ausentou dos esforços físicos para concluir aquela
questão puramente “legal”. Uma
assembleia deveria ser a regra para aquele tipo de situação implicada a
gravidade de sua provável punição. A ética e a regularidade do Maçom era
questão mister naquela época e como tal deve ser tradada nos dias de hoje e a
tolerância (em causa justa) ainda deve ser o pináculo de qualquer julgamento
hoje e sempre...
P.S.
É possível ver também no texto uma marca (assemelhando-se a uma junção das
letras “V” e “T”) ladeando as últimas frases do registro. Conforme conta o Grau da Marca, era costume dos Maçons
Operativos medievais utilizarem-se de marcas pessoais como assinatura (já que
em sua maioria não eram alfabetizados) a fim de que seus trabalhos fossem
avaliados e contabilizados para o pagamento dos respectivos salários. Talvez
seja possível que esse costume tenha sobrevivido e sido empregado nos
documentos administrativos das Lojas.
Autoria de Tiago
Roblêdo M\ M\
Visita
Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem
REFERÊNCIAS
A
Maquina de Uriel, Christopher Knight, Robert Lomas
O
Livro de Hiram, Robert Lomas, Christopher Knight
[1]
Loja de
Edimburgo Nº 1, Capela de Maria.
[2]
Os pictos eram antigos habitantes da Escócia que
estabeleceram seu próprio reino e tiveram confrontos constantes contra os
romanos na Britânia.
[3]
Línguas gaélicas (ou goidélicas) são um grupo de
línguas originadas pelos celtas que povoaram as Ilhas Britânicas.
[4]
MA PhD Director,
Scottish Language Dictionaries, 25
Buccleuch Place Edinburgh, EH8 9LN0131 650 4149.
[5]Construtores que erigiam "muro seco", isto é, muros ou paredes sem o uso de cimento ou
argamassa.
Excelente trabalho. Chamou minha atenção, mais especificamente, a parte que fica evidenciado a existência de regras já naquele tempo longiquo.
ResponderExcluirParabéns pelo excelente trabalho de pesquisa e tradução.
F. Herculano .'.