quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A MAIS ANTIGA ATA MAÇÔNICA CONHECIDA: O julgamento de George Paton

Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.
- Platão
APRESENTAÇÃO


A Lodge of Edinburgh Nº1[1] também chamada Mary’s Chapel é uma Loja Maçônica com sede em Edimburgo na Escócia, jurisdicionada a Grande Loja da Escócia foi fundada em 1599 por William Shaw (autor de Estatutos Schaw), e sob a autoridade de William St. Clair. Ela é a número 1 na lista da Grande Loja da Escócia, uma vez que é considerada como tendo o mais antigo registro de uma sessão maçônica, de Julho de 1599, e possuir a primeira referência histórica de membros especulativos (não construtores). Esse posto foi desafiado pela Loja de Kilwinning, constituída no oriente de Kilwinning também na Escócia.

De 1599-1688, a loja foi chamada puramente Loja de Edimburgo, nome posteriormente mudado quando a Grande Loja da Escócia confirmou a sua carta e designação sob o nome atual Loja de Edimburgo (Capela de Maria) Nº 1.
O nome de Maria provém da Capela de Santa Maria, fundada em 1505 no centro de Niddry’s Wynd (Edimburgo) por Elizabeth, condessa de Ross (Escócia). A capela foi demolida em 1785 para a construção de uma ponte ao sul da cidade.

Algumas datas importantes podem ser destacadas na história desta tão tradicional Loja:

1598-1599: A Loja de Edimburgo e outras na Escócia foram legalmente dirigidas conforme os estatutos criados em 1598-99, promulgados por William Schaw "Maister of wark, Wairden of ye Masons". Existiam 3 Lojas no reino, as quais ainda existem sob os números, 1, 0 e 30, nos registros da Grande Loja da Escócia. Em um registro da Grand Lodge No 1, lê-se em latim que o juramento é feito sobre o "Livro" que é portado pelos Irmãos mais antigos. Existem dúvidas se o livro é a Bíblia, os Evangelhos, o Livro das Obrigações do Maçom, os Estatutos da Ordem ou outro qualquer, mais como está relacionado com o juramento, as maiores possibilidades são de que se trate de um livro sagrado. Neste ano é lavrado o registro abordado nesta obra.

1600: Sir Thomas Boswell, esquire de Auschinleck, Escócia, foi nomeado Inspetor de uma Loja que já admitia membros que não fossem construtores. É a primeira informação relativa a um elemento não profissional recebido por uma Loja de Maçons. Outros autores dão o nome como John Boswell, Lord de Auschinleck sendo admitido como aceito nesta Loja. E este John Boswell é antecessor do James Boswell que foi Delegado do Grão Mestre da Escócia entre 1776 e 1778.

1641: Ata da Loja Mary´s Chapel indicando que Maçons Especulativos foram iniciados. Nessa oportunidade foram iniciados Robert Morey, Quartel Mestre Geral do Exército Escocês, o Coronel Mainwaring e o sábio alquimista e antiquário inglês Elias Ashmole. Aos 3 novos irmãos reconheceram-se lhes o título de Maçom, mas como não gozavam dos privilégios dos autênticos obreiros pois o cargo era somente honorário, foram denominados como "accepted masons".

1720-1750: Existe em Edimburgo um trabalho lavrado em madeira que reproduz com muita fidelidade a Lenda de Hiram, executado pelo artista italiano Giovanni Francesco Barbieri por volta de 1720-1750. Sabendo-se que a Lenda foi incorporada ao ritualismo maçônico mais ou menos em 1725, conjetura-se que Giovanni possa ter sido um dos maçons aceitos da época e que a Lenda já era parte integrante da ritualística maçônica.


O REGISTRO


Agradecimento,

Agradeço imensamente ao Professor William Gillies da Universidade de Edimburgo e Dra. Christine Robinson Diretora do Scottish Language Dictionaries que realizaram a tradução da Ata. Inicialmente me propus a fazer a tradução, pois pensei que a mesma esta em inglês medieval. Engano, ela fora escrita em escocês medieval. O escocês medieval tem forte influencia dos pictos[2] e gaélico[3]. [Agradecimento da versão em inglês moderno]


Manuscrito original escrito pelo próprio punho do Secretário da Loja.

Vltimo July 1599

The qlk day George Patoun maissoun grenttit & confessit that he had offendit agane the dekin & mrs for placeing of ane cowane to wirk at ane chymnay heid for tua dayis and ane half day, for the qlk offenss he submittit him self in the dekin & mrs guds willis for qt vnlaw they pless to lay to his charge, and thay having respect to the said Georges humill submissioun & of his estait, they remittit him the said offenss, Providing alwayis that gif ather he [or] ony vther brother comitt the lyke offenss heirefter that the law sall stryke vpoun thame indiscreta wtout exceptioun of personis. This wes done in prcs of Paull Maissoun dekin, Thoas Weir warden, Thoas Watt, Johne Broun, Henrie Tailzefeir, the said George Patoun, & Adam Walkar. Ita est Adamus Gibsone norius. Paull Maissoun, dekin.

Transcrição do manuscrito presente no Livro da História da Loja.

Last day of July 1599

The which day George Patoun, mason, admitted and confessed that he had offended against the Deacon and ? members putting an unqualified mason to work at a chimneyhead for two and a half days, for the which offence he submitted himself to the Deacon and ? members’ good will for that illegal act that they please to lay to his charge, and they, having respect to the said George’s humble submission and to his position in the community, they remit him of the said offence, providing always that if he or any other brother commit the same offence hereafter, that the law shall strike them indiscriminately without exception of persons. This was done in the presence of Paul Mason, Deacon, Thomas Weir, Warden. John Brown, Henry Taillefer, the said George Paton and Adam Walker. So it is Adam Gibson, notary. Paul Mason, Deacon.

Tradução para o inglês moderno realizada pela Dra. Christine Robinson[4].

Último dia de Julho de 1599

Dia no qual George Paton, maçom, admitiu e confessou que ele havia praticado ofensa contra o Diácono e outros membros colocando um maçom não qualificado para trabalhar na chaminé por dois dias e meio, por tal ofensa ele submeteu-se ao Diácono e aos demais membros por boa vontade devido ao seu ato ilegal requerendo o seu cargo a disposição, e eles em respeito à humilde submissão e papel na comunidade de George perdoam-lhe a referida ofensa, determinando que sempre que ele ou qualquer outro que cometam tal ofensa referida, que a lei deverá recair sobre eles sem distinção e exceção. Isso foi feito na presença de Paul Mason, Diácono, Thomas Weir, Vigilante. John Brown, Henry Taillefer, o referido George Paton e Adam Walker. Para isso, Adam Gibson, Secretário. Paul Mason, Diácono.

Tradução para o português  realizada por Tiago Roblêdo baseada na versão de Roberto Aguilar M. S. Silva.


O REGISTRO COMENTADO


Dia no qual George Patoun, maçom, admitiu e confessou que ele havia praticado ofensa contra o Diácono...

O primeiro ponto a ser observado no texto, é a evidente existência de uma “Regra Maçônica”, é presente um dispositivo de julgamento que compreende haver uma conduta (ética e trabalhista) correta para o transcorrer dos trabalhos e que, naquela altura havia sido transgredida.

Por sua vez, o Diácono, papel hoje quase que meramente ritualístico, restringindo-se a cobertura do Oficiante na abertura do Livro da Lei e do Painel da Loja, naquele período ainda parecia deter a importância de sua função operativa e fazer prerrogativa dela. A palavra “Diácono” é de origem grega, diakonos, que significa servente, e suas funções seriam de apoiar a execução dos trabalhos sendo os responsáveis pela orientação da edificação em sua construção. A palavra "oriente" que significa “leste” procede do latim oriens, que por sua vez significa “ascensão", pois os Templos eram orientados a partir da ascensão do Sol. Como serventes, atuavam como emissários diretos do Mestre de Obra (o Venerável Mestre).

...colocando um maçom não qualificado para trabalhar...

A tradutora em sua versão para o inglês moderno escolheu traduzir o original “cowane” como “unqualified mason” (apesar de fornecer breve explicação quanto ao caso[5]), entretanto a raiz “cowane” dá origem ao termo “cowan”, que no Brasil é conhecido como “goteira” pelos Maçons Especulativos. Este é o fato gerador de toda a querela registrada nessa ata e a ele se deve maiores comentários.

Algumas versões indicam que o termo Cowan advém do grego significando "cão" e foi empregado em analogia aos hábitos intrometidos daquele animal. Um dicionário de linguagem francesa diz que Cowan é derivado da palavra francesa "COION" (um companheiro covarde), em analogia a Lenda do Assassínio de Hiram Abiff.  No aspecto operativo temos "Covan", um construtor que erigia "muro seco", obra qual não empregava uso de cimento ou argamassa (ou seja, de técnica amadora). Levantou-se ainda que a ata N° 0, da Loja Mãe do Mundo Kilwinning, de 1707, registrou que nenhum Maçom deveria empregar um "Cowan" (Maçom sem a Palavra), para trabalhar. Isto significa que naquela época quem não tinha uma certa palavra convencional, não podia trabalhar para os Maçons reconhecidos ou junto com eles, ter essa palavra pressupunha que tal Maçom foi corretamente iniciado e estava em estado “regular”. A palavra Cowan aparece frequentemente nos textos escoceses, significando espião, abelhudo, bisbilhoteiro etc. Já os textos ingleses aludiam que, durante as reuniões de construtores alguns curiosos subiam nos telhados das tavernas onde estes se reuniam, penduravam-se nas calhas ou nos beirais e deitavam-se nos telhados com as cabeças penduradas como se fossem goteiras da chuva. Esses curiosos tentavam ouvir e ver o que falavam ou faziam aqueles construtores durante as reuniões, qual deveriam acontecer somente “a coberto”, sem a presença de estranhos ou construtores irregulares.

...por tal ofensa ele submeteu-se ao Diácono e aos demais membros por boa vontade devido ao seu ato ilegal requerendo o seu cargo a disposição...

Reforça-se aqui a ideia de uma “Regra Maçônica”, o ato de transgressão perpetrada pelo “réu” tem como pena a entrega de seu cargo, sua exclusão dos trabalhos. Contemporaneamente poderíamos dizer que houvera uma transgressão ao do Landmark XI (compilação de Mackey).

...eles em respeito à humilde submissão e papel na comunidade de George perdoam-lhe a referida ofensa.

Dada à postura do Irmão transgressor quanto ao caso, às virtudes do perdão de da tolerância foram proeminentes em seu julgamento e prevaleceu a fraternidade. Mas tal decisão não teria sido tomada sem um escrutínio do histórico do Irmão, seu “papel na comunidade”, aquele ato foi tomado possivelmente como um erro sem intenção de injúria por parte do “réu”.

...determinando que sempre que ele ou qualquer outro que cometam tal ofensa referida, que a lei deverá recair sobre eles sem distinção e exceção...

Apesar da decisão branda da assembleia quanto ao caso, é reforçado ao réu (e aos demais)  que “a lei deverá recair sobre eles sem distinção e exceção”. Ora, se a lei (ou tal “regra maçônica”) deve recair “sem distinção e exceção” por que ali houve exceção na punição? Aqui há uma sutileza no texto registrado, o que recaíra é a “lei”, e não necessariamente uma punição, no caso, o transgressor não passaria incólume quanto ao caso, deveria se submeter a um julgamento, ou seja, a lei (e suas deliberações). Outro aspecto que deve ser ressaltado é que lei (ou regra)  poderia não ser (ao menos plenamente) conhecida por seu transgressor o que extenuaria a punição. Estamos falando de uma Loja Maçônica ainda operativa, o ano era 1599, a existência de um conjunto de regras mesmo que breve poderia ser transmitida oralmente (logo precariamente) e no caso de escrita, seria do conhecimento pleno de uma minoria dado os índices de analfabetismo da época. Esse desconhecimento inocente poderia muito bem ser a causa do perdão do transgressor.

...Isso foi feito na presença de Paul Mason, Diácono, Thomas Weir, Vigilante. John Brown, Henry Taillefer, o referido George Paton e Adam Walker. Para isso, Adam Gibson, Secretário. Paul Mason, Diácono.

Houve um quórum substancial na sessão qual ocorreu aquele julgamento, um contingente não pequeno de Irmãos se ausentou dos esforços físicos para concluir aquela questão puramente “legal”. Uma  assembleia deveria ser a regra para aquele tipo de situação implicada a gravidade de sua provável punição. A ética e a regularidade do Maçom era questão mister naquela época e como tal deve ser tradada nos dias de hoje e a tolerância (em causa justa) ainda deve ser o pináculo de qualquer julgamento hoje e sempre...

P.S. É possível ver também no texto uma marca (assemelhando-se a uma junção das letras “V” e “T”) ladeando as últimas frases do registro. Conforme conta o Grau da Marca, era costume dos Maçons Operativos medievais utilizarem-se de marcas pessoais como assinatura (já que em sua maioria não eram alfabetizados) a fim de que seus trabalhos fossem avaliados e contabilizados para o pagamento dos respectivos salários. Talvez seja possível que esse costume tenha sobrevivido e sido empregado nos documentos administrativos das Lojas.

Autoria de Tiago Roblêdo M\ M\

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REFERÊNCIAS


A Maquina de Uriel, Christopher Knight, Robert Lomas
O Livro de Hiram, Robert Lomas, Christopher Knight


[1] Loja de Edimburgo Nº 1, Capela de Maria.
[2]  Os pictos eram antigos habitantes da Escócia que estabeleceram seu próprio reino e tiveram confrontos constantes contra os romanos na Britânia.
[3]  Línguas gaélicas (ou goidélicas) são um grupo de línguas originadas pelos celtas que povoaram as Ilhas Britânicas.
[4] MA PhD Director,  Scottish Language Dictionaries, 25 Buccleuch Place Edinburgh, EH8 9LN0131 650 4149.
[5]Construtores que erigiam  "muro seco", isto é,  muros ou paredes sem o uso de cimento ou argamassa.

Um comentário:

  1. Excelente trabalho. Chamou minha atenção, mais especificamente, a parte que fica evidenciado a existência de regras já naquele tempo longiquo.
    Parabéns pelo excelente trabalho de pesquisa e tradução.
    F. Herculano .'.

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