quinta-feira, 28 de novembro de 2013

AS ORIGENS MÁGICAS MAÇONARIA





- Trecho retraído da obra de Eliphas Levi[1] A História da Magia

A grande associação cabalística[2], conhecida na Europa sob o nome de Maçonaria, surge de repente no mundo, no momento em que o protesto contra a Igreja acaba de desmembrar a unidade cristã. Os historiadores desta ordem não sabem explicar-lhe a origem: uns lhe dão por mãe uma associação de pedreiros formada no tempo da construção da catedral de Estrasburgo; outros lhe dão Cromwell[3] por fundador, sem entrarem questionarem se os ritos da Maçonaria inglesa do tempo de Cromwell não foram organizados contra este chefe da anarquia puritana; há ignorantes que atribuem aos jesuítas, senão a fundação ao menos a continuação e a direção desta sociedade há muito tempo secular e sempre misteriosa. À parte esta última hipótese, que se refuta por si mesma, podem se conciliar todas as outras, dizendo que os irmãos maçons pediram aos construtores da catedral de Estrasburgo seu nome e os emblemas de sua arte. Eles ainda teriam se organizado pela primeira vez publicamente na Inglaterra, a favor das instituições radicais e a despeito do despotismo de Cromwell. Pode-se adicionar que eles tiveram os templários por modelos, os rosa-cruzes por pais e os joanitas[4] por antepassados. Seu dogma é o de Zoroastro e de Hermes, sua regra é a iniciação progressiva, seu princípio a igualdade regulada pela hierarquia e a fraternidade universal; são os mantenedores da escola de Alexandria, herdeiros de todas as iniciações antigas; são os depositários dos segredos do Apocalipse e do Zohar; o objeto de sua veneração é a verdade representada pela luz; eles toleram todas as crenças e não professam senão uma só e comum filosofia; eles não procuram senão a verdade, não ensinam senão a realidade e querem trazer progressivamente todas as inteligências à razão.
O propósito alegórico da Maçonaria é a reconstrução do Templo de Salomão; o propósito real é a reconstituição da unidade social pela aliança da razão e da fé, e o restabelecimento da hierarquia, conforme a ciência e a virtude, com a iniciação e as provas por graus. Nada se faz tão belo e se nota que nada é mais sublime do que estas ideias e tendências; infelizmente as doutrinas da unidade e a obediência à hierarquia não se conservaram na Maçonaria universal; houve logo aí uma Maçonaria dissidente, oposta à Maçonaria ortodoxa, e as maiores calamidades da revolução francesa foram o resultado desta cisão[5].


A LENDA DE HIRAM



Os franco-maçons possuem sua lenda secreta; é a de Hiram, complementada pela de Ciro e de Zorobabel. Eis a lenda de Hiram: Quando Salomão mandou construir o Templo, confiou seus planos a um arquiteto chamado Hiram. Este arquiteto para ordenar os trabalhos, dividiu os trabalhadores segundo sua habilidade e como era grande o número deles, a fim de reconhecê-los, para empregá-los segundo seu mérito e remunerá-Ios segundo seu trabalho, deu a cada categoria de aprendizes, companheiros e mestres palavras de passe e senhas particulares... Três companheiras quiseram usurpar a posição de mestres, sem o devido merecimento; puseram-se de emboscada nas três portas principais do templo, e quando Hiram se preparou para sair, um dos companheiros pediu-lhe a palavra de ordem dos mestres, ameaçando-o com sua régua. Hiram lhe respondeu: "Não foi assim que recebi a palavra que me pedis." O companheiro furioso bateu em Hiram com sua régua fazendo-lhe uma primeira ferida. Hiram correu a outra porta, onde encontrou o segundo companheiro; mesma pergunta, a mesma resposta, e esta vez Hiram foi ferido com um esquadro, outros dizem que com uma alavanca. Na terceira porta estava o terceiro assassino que abateu o mestre com uma malhete.

Estes três companheiros esconderam em seguida o cadáver sob um monte de escombros, e plantaram sobre este túmulo improvisado um ramo de acácia, fugindo depois como Caim após a morte de Abel. Salomão, porém, dando pela falta de seu arquiteto, despachou nove mestres para procurá-lo; o ramo de acácia lhes revelou o cadáver, eles o retiraram dos os escombros e como lá havia ficado bastante tempo, eles exclamaram, levantando-o: “Mach Benach”, o que significa: a carne se desprende dos ossos. Foram prestadas a Hiram as últimas honras, mandando depois Salomão 27 mestres à busca dos assassinos. O primeiro foi surpreendido numa caverna: perto dele ardia uma lâmpada, corria um regato aos seus pés e para sua defesa achava-se a seu lado um punhal. O mestre que penetrou na caverna e reconheceu o assassino, tomou o punhal e feriu-o gritando: “Nekun!”, palavra que quer dizer “vingança”; sua cabeça foi levada a Salomão que estremeceu ao vê-la e disse ao que tinha assassinado: "Desgraçado, não sabias tu que eu me reservava o direito de punir?" Então todos os mestres se ajoelharam e pediram perdão para aquele cujo zelo o levara tão longe. O segundo assassino foi traído por um homem que lhe dera asilo; ele se escondera num rochedo perto de um espinheiro ardente, sobre o qual brilhava um arco-íris; ao seu lado achava- se deitado um cão cuja vigilância os mestres enganaram; pegaram o criminoso, amarraram-no e o conduziram-no a Jerusalém onde sofreu o último suplício. O terceiro foi morto por um leão que foi preciso subjugar para apoderar-se do cadáver; outras versões dizem que ele se defendeu a machadadas contra os mestres que chegaram enfim a desarmá-lo e o levaram a Salomão que lhe fez expiar seu crime. Tal é a primeira lenda; eis agora a explicação. Salomão é a personificação da ciência e da sabedoria supremas. O Templo é a realização e a figura do reino hierárquico da verdade e da razão sobre a terra. Hiram é o homem que chegou ao domínio pela ciência e pela sabedoria. Ele governa pela justiça e pela ordem, dando a cada um segundo suas obras.

Cada grau da ordem possui uma palavra que lhe exprime a inteligência. Não há senão uma palavra para Hiram, mas esta palavra pronuncia-se de três maneiras diferentes. De um modo para os aprendizes, e pronunciada por eles significa natureza e explica-se pelo trabalho. De outro modo pelos companheiros e entre eles significa pensamento explicando-se pelo estudo. De outro modo para os mestres e em sua língua significa verdade, palavra que se explica pela sabedoria. Esta palavra é a de que se servem para designar Deus, cujo verdadeiro nome é indizível e incomunicável. Assim há três graus na hierarquia como há três portas no templo. Há três fachos de luz. Há três forças na natureza. Estas forças são figuradas pela régua que une, a alavanca que levanta e o malhete que firma. A rebelião dos instintos brutais, contra a nobreza hierática da sabedoria, arma-se sucessivamente destas três forças que ela desvia da harmonia. Há três rebeldes típicos: O rebelde à natureza; o rebelde à ciência; o rebelde à verdade. Eles eram figurados no inferno dos antigos pelas três cabeças de Cérbero. Eles são figurados na Bíblia por Coié, Dathan e Abiron. Na lenda maçônica, eles são designados por nomes que variam segundo os ritos. O primeiro que se chama ordinariamente Abiran ou assassino de Hiram, fere o grão-mestre com a régua. É a história do justo que se mata, em nome da lei, pelas paixões humanas. O Segundo, chamado Mephiboseth, do nome de um pretendente ridículo e enfermo à realeza de Davi, fere Hiram com a alavanca ou a esquadria.

É assim que a alavanca popular ou a esquadria de uma louca igualdade torna-se o instrumento da tirania entre as mãos da multidão e atenta, mais infelizmente ainda do que a régua, à realeza da sabedoria e da virtude. O terceiro enfim acaba com Hiram com a malhete, como fazem os instintos brutais quando querem fazer valer em nome da violência e do medo, abafando a inteligência. O ramo de acácia sobre o túmulo de Hiram é como a cruz sobre nossos altares. É o sinal da ciência que sobrevêm à ciência; é o fecho verde que anuncia outra primavera. Quando os homens perturbam assim a ordem da natureza, a Providência intervém para restabelecê-la, como Salomão para vingar a morte de Hiram. Aquele que assassinou com a régua, morre pelo punhal. Aquele que feriu com a alavanca ou a esquadria morrerá sob o punho da lei. É a sentença eterna dos regicidas. Aquele que venceu pelo malhete, cairá vítima da força de que abusou e será estrangulado pelo leão. O assassino pela régua é denunciado pela mesma lâmpada que o esclarece e pela fonte onde bebe, isto é, a ele será aplicada a pena de talião. O assassino pela alavanca será surpreendido quando sua vigilância for deficiente como um cão adormecido e será entregue por seus cúmplices; porque a anarquia é a mãe da traição. O leão que devora o assassino pelo malhete, é uma das formas da esfinge de Édipo. E aquele que vencer o leão merecerá suceder a Hiram na sua dignidade. O cadáver putrefato de Hiram mostra que as formas mudam, mas que o espírito fica. A fonte de água que corre perto do primeiro facínora lembra o Dilúvio que puniu os crimes contra a natureza. O espinheiro ardente e o arco-íris que fazem descobrir o segundo assassino, representam a luz e a vida, denunciando os atentados contra o pensamento.

Enfim o leão vencido representa o triunfo do espírito sobre a matéria e a submissão definitiva da força pela inteligência. Desde o começo do trabalho do espírito para edificar o templo da unidade, Hiram foi morto muitas vezes e ressuscita sempre. É Adônis morto pelo javali; é Osíris assassinado por Tifo. É Pitágoras proscrito, é Orfeu despedaçado pelas bacantes, é Moisés abandonado nas cavernas do Monte Neba, é Jesus morto por Caifás, Judas e Pilatos. Os verdadeiros maçons são, pois os que persistem em querer construir o Templo, segundo o plano de Hiram. Tal é a grande e principal lenda da Maçonaria; as outras são menos belas e menos profundas, mais não pensamos dever divulgar lhe os mistérios, e mesmo que não tenhamos recebido a iniciação senão de Deus e de nossos trabalhos, consideramos o segredo da alta Maçonaria como o nosso. Chegado por nossos esforços a um grau científico que nos impõe silêncio, não nos julgamos melhor empenhados por nossas convicções do que por um juramento. A ciência é uma nobreza que obriga e não desmerecemos a coroa principesca dos rosa-cruzes. Nós também cremos também na ressurreição de Hiram.

Os ritos da Maçonaria são destinados a transmitir a lembrança das lendas da iniciação e a conservá-la entre nossos irmãos. Perguntarão-nos talvez como, se a Maçonaria é tão sublime e tão santa, pôde ela ser proscrita e tantas vezes condenada pela igreja. Já respondemos a esta questão, falando das cisões e das profanações da Maçonaria. A Maçonaria é a gnose e os falsos gnósticos fizeram condenar os verdadeiros. Aquilo os obriga a esconder-se, não é o temor da luz, a luz é o que eles querem, o que eles procuram, o que eles veneram. Mas eles temem os profanadores, isto é, os falsos intérpretes, os caluniadores, os céticos de sorriso estúpido, os inimigos de toda crença e de toda moralidade. Em nosso tempo, aliás, um grande número de homens que se julgam franco-maçons, ignoram o sentido que seus ritos e perderam a chave de seus mistérios.

Eles não compreendem mais nem mesmo seus painéis simbólicos, e não entendem mais nada dos sinais hieroglíficos com que são pintados os pisos de suas lojas. Estes painéis e estes sinais são páginas do livro da ciência absoluta e universal. Podem ser lidas com o auxílio das chaves cabalísticas e não têm nada de oculto para o iniciado que possui as clavículas de Salomão.

...


[1] Eliphas Levi  tinha como nome de batismo Alphonse Louis Constant e foi um escritor, ocultista e mago cerimonial francês. O seu pseudônimo "Eliphas Levi," sob o qual ele publicava seus livros, resultou de pretender ter neles um pseudônimo de origem hebraica associando-o mais facilmente a outros cabalistas famosos, era considerado por muitos o maior ocultista do século XIX.
[2] Um duplo sentido pode ser dado ao uso do termo, tanto como combinação ou conluio de homens quanto como da ciência esotérica judaica.
[3] Em 1649, a Revolução Puritana, sob a liderança de Oliver Cromwell, saiu-se vencedora contra a Monarquia. Protagonizou a prisão e decapitação do Rei Carlos I e proclamou a República na Grã-Bretanha. Com a morte de Cromwell, abriu-se um período de crise, que conduziu à restauração dos Stuart, em 1660. Quando James II pretendeu restabelecer o catolicismo, desprezando os interesses da maioria protestante, eclodiu a Revolução Gloriosa, em 1688. O Stuart foi vencido, refugiando-se na França de Luís XIV. A partir de 1714, reinaram os Hannover, alemães protestantes.
[4] Não fica claro se o autor refere-se a alguma ordem de cavalaria dedica da São João (como Os Cavaleiros de São João de Jerusalém, Rodes e Malta) ou ao movimento religioso seguidor da doutrina de São João.
[5] Dada a predileções religiosas do autor, o mesmo era contra o papel político que a Maçonaria possa ter assumido durante a Revolução Francesa.

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